Quem São os Filhos de Deus de Gênesis 6?
Questões Bíblicas – Perguntas e Respostas (Parte XX)
PERGUNTA:
Qual o verdadeiro significado do termo “FILHOS DE DEUS” encontrado em sua forma original no Antigo Testamento?
I – INTRODUÇÃO
Para se entender o assunto e ter maior clareza das Escrituras Sagradas, precisa-se analisar objetivamente os termos bíblicos em sua forma original e os seus respectivos significados.
O termo “FILHOS DE DEUS”, em hebraico: BENE HA’ELOHIM, é encontrado nas seguintes passagens bíblicas:
“Viram os ‘FILHOS DE DEUS’ (bene ha’Elohim) que as filhas dos homens eram formosas; e tomaram para si mulheres de todas as que escolheram.” Gênesis 6:2.
“Naqueles dias estavam os nefilins na terra e também depois, quando os ‘FILHOS DE DEUS’ (bene ha’Elohim) conheceram as filhas dos homens, as quais lhes deram filhos. Esses nefilins eram os valentes, os homens de renome, que houve na antiguidade.” Gênesis 6:4.
“Ora, chegado o dia em que os ‘FILHOS DE DEUS’ (bene ha’Elohim) vieram apresentar-se perante o Senhor, veio também Satanás entre eles.” Jó 1:6.
“Chegou outra vez o dia em que os ‘FILHOS DE DEUS’ (bene ha’Elohim) vieram apresentar-se perante o Senhor; e veio também Satanás entre eles apresentar-se perante o Senhor.” Jó 2:1.
“Quando juntas cantavam as estrelas da manhã, e todos os ‘FILHOS DE DEUS’ (bene ha’Elohim) bradavam de júbilo.” Jó 38:7.
Pelos textos apresentados não é difícil estabelecer a identidade desses filhos de Deus. Uma leitura atenta das passagens bíblicas de Jó 1:6; 2:1 e 38:7, conclui-se de forma inequívoca tratar-se de ANJOS ou seres celestiais e não de homens. Esse entendimento tem sido unânime entre os teólogos. Por que então os “bene ha’Elohim” ou “Filhos de Deus” de Gênesis 6 não são também considerados anjos por muitas denominações religiosas?
Algumas pessoas têm dúvidas porquê esses anjos eram chamados de “filhos de Deus” em Gênesis 6:2, uma vez que eram anjos decaídos. Isto se explica pelo simples fato de o termo “filhos de Deus” ser aplicado para os seres que foram criados diretamente por Deus. Eles continuaram sendo seres criados diretamente por Deus mesmo depois de decaídos. O mesmo aconteceu com o homem “Adão”. Apesar de ter caído em pecado não deixou de ser chamado de “filho de Deus”, conforme Lucas 3:38.
Para se ter uma compreensão ampla é fundamental examinar todos os textos que tratam sobre esse assunto. Não é uma tarefa fácil. Gerações de exegetas, desde os primeiros escritores cristãos, tiveram a mesma dificuldade.
No rodapé da Bíblia de Jerusalém em nota sobre os filhos de Deus e as filhas dos homens conforme Gênesis 6, encontra-se a seguinte citação:
“O judaísmo posterior e quase todos os escritores eclesiásticos viram anjos culpados nesses ‘filhos de Deus’. Mas a partir do século IV em função de uma noção mais espiritual dos anjos, os padres interpretaram comumente os ‘filhos de Deus’ como a linhagem de Sete, e as ‘filhas dos homens’ como a descendência de Caim.”
Nota-se, pois, que a partir do século IV, por meio de contorções exegéticas, a igreja romana passou a interpretar o termo ‘filhos de Deus’ como sendo a linhagem piedosa de Sete e as ‘filhas dos homens’ como sendo a descendência de Caim. Assim, a partir do século IV as opiniões se dividiram. Agostinho de Hipona (354-430 dC) e outros teriam decidido essa questão e encerrado a discussão com relação aos anjos caídos, entendendo que Gênesis 6 tratava da linhagem piedosa de Sete com a vil linhagem de Caim. Essa distorção exegética forçada, indutiva e falsa, tem dado margem à imaginações sem aprofundamento lógico.
II – QUAIS OS FUNDAMENTOS PARA SE ACREDITAR QUE OS FILHOS DE DEUS EM GÊNESIS 6 SÃO ANJOS CAÍDOS?
De uma forma sucinta esses fundamentos são os seguintes:
1. O texto bíblico de Gênesis 6:1 é muito claro:
“Sucedeu que, quando os homens começaram a multiplicar-se sobre a terra, e lhes nasceram filhas, …”
O texto não diz absolutamente nada se esses homens são da descendência de Sete ou de Caim. Muitos defendem a equivocada teoria de que as “filhas dos homens” são descendentes da vil linhagem de Caim. Porém, com base neste texto esses “homens” e suas “filhas” seriam apenas descendentes de Caim? E mais, somente os descendentes de Caim se multiplicaram e lhes nasceram filhas? Por acaso o texto está dizendo isto?
Não seria mais lógico afirmar que esses homens e as suas filhas são todos filhos da descendência de Adão, sem distinção de linhagens? A verdade é que Deus não fez nenhuma diferenciação entre a descendência de Sete ou de Caim, tanto é que o dilúvio destruiu a descendência de ambos, exceto Noé e sua família.
É algo a se pensar.
2. Em Gênesis 6:2 lê-se o seguinte:
“Viram os filhos de Deus que as filhas dos homens eram formosas; e tomaram para si mulheres de todas as que escolheram.”
Por acaso diz o texto que os “filhos de Deus” são da descendência de Sete e as “filhas dos homens” descendentes da vil linhagem de Caim? Nota-se que não há relato algum sobre esta questão no texto e nem no contexto. Trilhar o caminho das suposições é muito perigoso.
Para uma análise mais criteriosa, deve-se respeitar os princípios exegéticos e hermenêuticos, fundamentais para uma compreensão lógica e segura.
3. Quem são os “filhos de Deus”, do hebraico “Bene ha’Elohim”, mencionados no texto sob análise? Seguramente são anjos. Esta é uma dedução lógica se comparado com as passagens bíblicas utilizadas no livro de Jó (Jó 1:6; 2:1 e 38:7). Presume-se que o livro de Jó foi escrito por Moisés, o mesmo que escreveu os cinco primeiros livros da Bíblia. Será que os textos de Jó e o texto de Gênesis 6:1-4 não formam o mesmo pensamento com relação ao termo “filhos de Deus”? É muito importante destacar que os descendentes de Sete nunca foram chamados de “filhos de Deus”, e nem poderiam ser, pois o entendimento deste termo no Velho Testamento refere-se aos seres criados diretamente por Deus.
4. Quem são as “filhas dos homens”, do hebraico “bënot ha’Adam“? Tradução literal: “Filhas do Adão”. O texto no original hebraico não diz que as filhas dos homens são da descendência de Caim, mas sim, são filhas do homem Adão. Assim cai por terra os argumentos daqueles que associam as “filhas dos homens” com a descendência vil de Caim.
Diz o texto sagrado que os filhos de Deus viram que as “filhas dos homens” eram formosas e as agarraram para si de todas as que escolheram. Uma outra questão a ser analisada é: Eram formosas apenas as filhas da vil descendência de Caim? E as filhas de Sete não eram formosas?
5. Uma outra pergunta que se faz é a seguinte: pode um anjo aparecer com características humanas? Há exemplos bíblicos que comprovam isto. Eis alguns exemplos:
Gênesis 18:1-16 – Aparecem três anjos em forma de homens a Abraão;
Gênesis 19:1-23 – Ló recebe dois anjos em forma de homens em sua casa.
Essa questão também é apresentada no Novo Testamento:
Marcos 16:5 – As mulheres que foram visitar o sepulcro onde foi deixado o corpo de Cristo. Elas viram a pedra revolvida e um JOVEM sentado à direita.
Hebreus 13:2 – “Não vos esqueçais da hospitalidade, porque por ela alguns, sem o saberem hospedaram anjos.”
Com base nos exemplos citados pode-se comprovar biblicamente que os anjos têm plenas condições de se materializar e de se apresentar exatamente como homens.
III – COMO ENTENDER JUDAS 6-7, II PEDRO 2:4-5 E I PEDRO 3:19-20?
Para se ter uma clara compreensão do texto de Gênesis 6:1-4 é essencial entender todos os fatos ocorridos antes do dilúvio.
As passagens bíblicas de Judas, I Pedro e II Pedro estão interligadas ao mesmo evento e são muito intrigantes para muitos estudiosos da Palavra de Deus. Elas revelam atos muito sérios praticados pelos anjos caídos antes do dilúvio:
“Aos anjos que não guardaram o seu principado, mas deixaram a sua própria habitação, Ele os tem reservado em prisões eternas na escuridão para o juízo do grande dia. Assim como Sodoma e Gomorra e as cidades circunvizinhas, que, havendo-se prostituído como aqueles anjos, e ido após outra carne, foram postas como exemplo, sofrendo a pena do fogo eterno.” Judas 6 e 7.
“Porque se Deus não poupou a anjos quando pecaram, mas lançou-os no tártaros e os entregou aos abismos da escuridão, reservando-os para o juízo; se não poupou ao mundo antigo, embora preservasse a Noé, pregador da justiça, com mais sete pessoas, ao trazer o dilúvio sobre o mundo dos ímpios.” II Pedro 2:4 e 5.
“No qual também foi e pregou aos espíritos em prisão; os quais noutro tempo foram rebeldes, quando a longanimidade de Deus esperava nos dias de Noé, enquanto se preparava a arca; na qual poucas, isto é, oito almas se salvaram através da água.” I Pedro 3:19 e 20.
Algumas considerações breves sobre essas passagens bíblicas:
1. De acordo com Judas 6 e 7, os anjos decaídos não guardaram o seu principado, mas deixaram a sua própria habitação. Eles por livre e espontânea vontade decidiram deixar o Céu, com o objetivo de seguir os seus próprios caminhos, desrespeitando as leis vigentes que Deus determinou a todos os anjos que têm sua habitação no Céu, sendo que uma delas é de não se casar e nem se dar em casamento.
A esse respeito Jesus disse:
“Porque na ressurreição nem se casam nem são dados em casamento, mas serão como os anjos no Céu.” Mateus 22:30.
Embora seja verdade que a condição celestial dos anjos não lhes permite casar, isso não significa que eles não possam deixar o lugar celestial e se materializar na terra.
É evidente que os anjos que tem sua habitação no Céu não se casam. Mas Judas deixa claro que esses anjos decaídos deixaram sua habitação no Céu e foram após “outra” carne na terra, comparando suas ações às práticas sexuais ilícitas dos moradores de Sodoma e Gomorra. Por causa desse pecado, esses anjos rebeldes foram punidos e lançados em prisões eternas até o juízo final.
2. O apóstolo Pedro em suas duas epístolas enfatiza esse mesmo acontecimento. O grande problema é que muitos teólogos não associam essas passagens bíblicas com o que ocorreu em Gênesis 6. Uma importante pergunta deve ser feita a esses teólogos: Que outro fato relevante teria ocorrido no passado que justificaria uma punição tão severa aos anjos decaídos?
É bom esclarecer que essa punição foi decretada por Deus somente àqueles anjos rebeldes que praticaram essa ilicitude. Os demais, que posteriormente foram expulsos do Céu, continuam agindo sobre a face da Terra e serão punidos no futuro, após a vinda de Cristo.
IV – INTERPRETAÇÃO DE GÊNESIS 6:4
Diz o texto:
“Naqueles dias estavam os nefilins na terra, e também depois, quando os filhos de Deus conheceram as filhas dos homens, as quais lhes deram filhos. Esses nefilins eram os valentes, os homens de renome, que houve na antiguidade.” Gênesis 6:4.
A palavra “nefilim” foi traduzida na vulgata por ‘gigantes’, mas a raiz dessa palavra é “nafal” que em hebraico significa “caídos”.
Os nefilins são claramente mencionados neste texto como sendo frutos do resultado da união entre os filhos de Deus (identificados como anjos caídos) e as filhas dos homens (identificadas como sendo as mulheres de todas as etnias).
No rodapé da Bíblia de Jerusalém lê-se o seguinte a respeito dos nefilins:
“Uma raça insolente de super-homens como um exemplo da crescente perversidade que motivará o dilúvio.”
V – CONCLUSÃO
Essa interpretação dos “filhos de Deus” e das “filhas dos homens” apresentado aqui foi defendida pelos antigos intérpretes hebraicos os quais mantiveram unânimes as suas posições e que lamentavelmente no decorrer do tempo foram manipuladas e distorcidas pelas doutrinas que corromperam a Palavra de Deus, para não dar margem ao entendimento do que realmente aconteceu no passado.