João 6:38 – Porque Eu Desci do Céu...
Estudo Sobre a Questão da Preexistência de Cristo (Parte V)
INTRODUÇÃO
Há um ensino bíblico que é inquestionável: Jesus Cristo é o Filho de Deus. No entanto, esse ensinamento das Escrituras Sagradas é muitas vezes mal interpretado. Numa tentativa bem intencionada de prestar honra e glória a Jesus, muitas instituições religiosas equivocadamente ensinam acerca dele coisas que não são bíblicas.
A história registra que a partir do segundo século, os puros ensinos da Palavra de Deus foram gradativamente sendo anulados e substituídos pelos mais degradantes e errôneos ensinos de homens, com suas ideias e tradições humanas. A partir dos concílios de Nicéia (325 dC), Constantinopla (381 dC) e de Calcedônia (451 dC), surgiram várias concepções errôneas sobre a pessoa de Cristo, bem como ideias sobre a sua preexistência e ideias que negavam a sua plena humanidade. Aos poucos a genuína fé que estava alicerçada nas Escrituras Sagradas foi sendo reinterpretada e adaptada segundo os ensinamentos da filosofia pagã.
Com base nos ensinos das Sagradas Escrituras, o Filho de Deus não teve uma existência anterior até o momento quando Deus realizou o milagre em Maria. O evangelista Lucas não acreditava em um eterno Filho preexistente, pois, segundo o seu relato, o Filho de Deus foi sobrenaturalmente concebido na história quando Maria ficou grávida. As palavras do anjo trazem luz sobre o assunto:
“E, respondendo o anjo, disse-lhe: Descerá sobre ti o Espírito Santo, e a virtude do Altíssimo te cobrirá com a Sua sombra; pelo que também o Santo, que de ti há de nascer, será chamado Filho de Deus.” Lucas 1:35.
Afinal, se Jesus não preexistiu como Filho e nem como um outro ser, como explicar as palavras ditas pelo próprio Messias e que foram relatadas pelo evangelista João? - “Porque eu desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou.” João 6:38.
II – LINGUAGEM LITERAL OU FIGURATIVA?
Um dos grandes engodos criados pelo cristianismo romano foi transformar o homem Jesus em uma divindade, mesmo antes de sua estada na Terra. Há algo que se deve deixar absolutamente claro: O Senhor Jesus Cristo é o FILHO DE DEUS. O evangelista João destaca que todos os sinais escritos em seu livro “foram escritos para crerdes que Jesus é o Messias, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome.” João 20:31.
O Filho de Deus tornou-se na verdade, após sua vitória sobre o pecado, o ser mais importante de todo o universo, depois do soberano e todo poderoso Deus, o Criador dos Céus e da Terra. Infelizmente, o ensino das Escrituras Sagradas acerca de Jesus, o Messias, está sendo mal interpretado. Deve-se atualmente ter muito cuidado ao examinar a Palavra de Deus. Uma abordagem mais segura e mais sólida é situar Jesus em seu contexto próprio e judaico do primeiro século. Este sim é um retorno às raízes da fé.
Aqueles que defendem a doutrina da trindade acreditam que Jesus é o Deus Todo-Poderoso em forma humana. Eles apresentam a Jesus como a segunda pessoa da trindade. Torna-se muito difícil entender o que eles querem exatamente dizer com essa frase: DEUS EM FORMA HUMANA. Entender-se-ia, de acordo com este ponto de vista, que Jesus teve uma real existência no céu desde toda a eternidade antes de sua concepção no ventre de Maria?
Com base nos ensinos das Escrituras Sagradas, um dos atributos de Deus é a Sua onipresença; isto significa que Deus não está limitado a um determinado lugar, e sim, Ele está presente ao mesmo tempo em todas as partes deste infinito universo. Este conceito bíblico traz tremendo desconforto aos que defendem a doutrina da trindade, pois, segundo as suas publicações e ensinos, afirmam que “ao experimentar a encarnação, Cristo não deixou de ser Deus, tampouco foi sua divindade reduzida ao nível da humanidade.” Nisto Cremos, p. 77.
Com base nesses equivocados ensinamentos, pergunta-se:
a) Como poderia Cristo, na condição de Deus, ter descido do Céu para viver num pequeno e limitado corpo humano?
b) Em que sentido Cristo “esvaziou-se”, se ele permaneceu completamente Deus?
A Palavra de Deus relata com toda a clareza que Jesus não é Deus, e sim, ele é o Filho de Deus. O texto de João 6:38 deve ser analisado em todo o seu contexto. Neste capítulo Jesus apresenta algumas questões importantes numa linguagem não literal, mas figurativa. De acordo com os versículos 53 e 54 deste mesmo capítulo, por exemplo, Jesus disse:
“Em verdade, em verdade vos digo: Se não comerdes a carne do Filho do homem, e não beberdes o seu sangue, não tereis vida em vós mesmos. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia.” João 6:53 e 54.
Obviamente estas palavras não significam o que parecem dizer, mas, em vez disso, trazem um significado muito mais profundo. Trata-se, portanto, não de uma linguagem literal, mas figurativa, pois Jesus não estava pregando o canibalismo.
Quando Jesus disse: “Porque eu desci do céu...” João 6:38, não significa que ele tenha literalmente descido do céu. No versículo 31 do mesmo capítulo, Jesus faz referência ao “maná”, enviado do céu, que era um tipo de pão que Deus proveu para o Seu povo, enquanto estava atravessando o deserto. Diz o texto:
“Nossos pais comeram o maná no deserto, como esta escrito: Do céu deu-lhes (Deus) pão a comer.” João 6:31.
Não há como interpretar que este pão milagroso tivesse sido cozido na morada de Deus no céu e flutuado em uma nuvem grossa todas as noites através o imenso universo até alcançar o deserto aqui na Terra. A afirmação de que o maná desceu do céu significa que o Deus do céu foi o provedor direto. Este entendimento está em harmonia com as palavras escritas pelo apóstolo Tiago:
“Toda a boa dádiva e todo dom perfeito vêm do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não há mudança nem sombra de variação.” Tiago 1:17.
O que “desceu” sobre Maria foi o Espírito de Deus, que tinha como objetivo efetuar a concepção de um novo ser, o qual ao nascer seria chamado - Filho de Deus:
“E, respondendo o anjo, disse-lhe: DESCERÁ sobre ti o Espírito Santo, e a virtude do Altissímo te cobrirá com a Sua sombra; pelo que também o Santo que de ti há de nascer, será chamado FILHO DE DEUS.” Lucas 1:35.
É interessante notar que ninguém de sã consciência interpreta as palavras de Jesus literalmente, quando ele disse: “Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém comer deste pão, viverá para sempre; e o pão que eu der é a minha carne, que eu darei pela vida do mundo.” João 6:51. Então, por que muitos sinceros cristãos tomam as palavras de Jesus como literais quando ele disse: “Eu desci do céu”?
III – JESUS VIVEU NO CÉU ANTES DO SEU NASCIMENTO?
Há uma crença muito enraizada no seio do cristianismo que afirma categoricamente que Jesus, antes do seu nascimento, viveu no céu e de lá ele desceu na qualidade de enviado de Deus. Para sustentar tal raciocínio, é apresentado o seguinte texto bíblico:
“Assim como o Pai, que vive, me ENVIOU, e eu vivo pelo Pai, assim, quem de mim se alimenta, também viverá por mim.” João 6:57.
É importante destacar que esta passagem bíblica faz parte do mesmo contexto analisado no tópico anterior. Estas palavras de Jesus não significam que ele tenha descido literalmente do céu, como um enviado do Pai. Para refutar tal argumentação, é necessário analisar primeiramente o que as Escrituras Sagradas dizem acerca de Moisés e João Batista:
“A este Moisés que eles haviam repelido, dizendo: Quem te constituiu senhor e juiz? A este ENVIOU DEUS como senhor e libertador, pela mão do anjo que lhe aparecera na sarça.” Atos 7:35.
“Houve um homem ENVIADO DE DEUS, cujo nome era João.” João 1:6.
Sabe-se que Moisés e João Batista nunca estiveram no céu e é interessante que com relação a eles os estudiosos das Escrituras Sagradas não fazem quaisquer questionamentos sobre a referida questão.
A expressão “enviado de Deus” não significa que Moisés e João Batista desceram do céu, mas significa simplesmente que Deus escolheu-os para cumprirem uma tarefa especial. Da mesma forma Jesus foi enviado pelo Pai para executar uma função das mais honradas e grandiosas, jamais exercida por um outro ser humano.
Além dos textos bíblicos até aqui apresentados, os defensores da preexistência de Jesus mencionam outras passagens, sendo que uma delas é a seguinte:
“Agora, pois, glorifica-me tu, ó Pai, junto de ti mesmo, com aquela glória que eu tinha contigo antes que o mundo existisse.” João 17:5.
O que Jesus queria dizer com estas palavras? Muitos estudiosos equivocadamente entendem que essa glorificação de Jesus ocorreu antes de ele ter sido gerado no útero de Maria, quando ainda ocupava uma posição de igualdade com Deus nas longínquas eras do passado, antes da fundação do mundo. Essa teoria não encontra fundamentação nas Escrituras Sagradas. Há expressões bíblicas que deixam muitos teólogos sem respostas. Eis uma delas:
“E adora-la-ão todos os que habitam sobre a terra, esses cujos nomes não estão escritos no livro da vida do Cordeiro que foi morto desde a fundação do mundo.” Apocalipse 13:8.
Ninguém ousaria dizer, com base nesta passagem bíblica, que literalmente a morte do Cordeiro tivesse ocorrido nas longínquas eras do passado, quando ocorreu a fundação do mundo. Entende-se que esse plano existiu somente na mente de Deus, que chama as coisas que não são como se já fossem (ver Romanos 4:17). Esse plano foi conhecido antes da fundação do mundo, mas concretizado no seu devido tempo, na pessoa de Jesus Cristo (ver I Pedro 1:18-20).
Há um outro texto que reflete um importante aspecto do pensamento hebraico, que obviamente é uma das facetas mais assombrosas da personalidade de Deus:
“Os Teus olhos viram o meu corpo ainda informe; e no Teu livro todas estas coisas foram escritas; as quais em continuação foram formadas, QUANDO NEM AINDA UMA DELAS HAVIA.” Salmos 139:16.
O futuro é tão real para Deus como o presente o é para os homens. Deus pode falar do futuro como se já tivesse acontecido. Existem muitas passagens bíblicas que tratam sobre esse assunto. Eis apenas três exemplos:
(1)“A mim me veio, pois, a palavra do Senhor, dizendo: Antes que Eu te formasse no ventre materno, Eu te conheci, e, antes que saísses da madre, te consagrei, e te constitui profeta às nações.” Jeremias 1:4 e 5.
Com base nestas palavras, Deus conheceu Jeremias antes que ele nascesse. Obviamente não significa que Jeremias tivesse uma existência real antes do seu nascimento. Esta passagem reforça a ideia de que Deus pode ver o futuro e, segundo o texto bíblico, Deus conheceu Jeremias antes que ele nascesse. Fica claro que este texto se relaciona com a existência subjetiva de Jeremias na mente de Deus, que chama as coisas que não são, como se já existissem.
(2) “Assim como nos escolheu nele antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante ele; e em amor nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade.” Efésios 1:4 e 5.
Deus não só conheceu Jeremias antes do seu nascimento, mas também conheceu os membros que fariam parte de Seu povo antes que nascessem. Trata-se, portanto, de uma linguagem baseada no conhecimento de Deus a respeito do futuro.
(3) “Conhecido, com efeito, antes da fundação do mundo, porém manifestado no fim dos tempos, por amor de vós.” I Pedro 1:20.
É interessante que a palavra “conhecido” (do grego: proginosko) utilizada nesta passagem, tem o seguinte significado: “conhecido com antecipação; prognóstico”.
Sem dúvida alguma, Deus sabia tudo acerca de Jesus, assim como também Ele sabia tudo acerca de Jeremias e de todos aqueles que fariam parte de Seu povo.
Nesta mesma linha de raciocínio interpreta-se o texto de João 17:5. Entende-se que esta glorificação mencionada por Jesus ocorreu somente na mente de Deus, pois, segundo as Escrituras Sagradas, essa glória só foi efetivamente concedida ao Messias APÓS A SUA RESSURREIÇÃO, e consequente vitória sobre o pecado. As seguintes passagens bíblicas provam este fato:
"Que por ele credes em Deus, que o ressuscitou dentre os mortos e lhe deu glória, de modo que a vossa fé e esperança estivessem em Deus." I Pedro 1:21.
"Porventura não importava que o Cristo padecesse essas coisas e entrasse na Sua glória?" Lucas 24:26.
"Ora, isto ele disse a respeito do Espírito que haviam de receber os que nele cressem; pois o Espírito ainda não fora dado, porque Jesus ainda não tinha sido glorificado." João 7:39.
"Os seus discípulos, porém, a princípio não entenderam isto mas quando Jesus foi glorificado, então eles se lembraram de que estas coisas estavam escritas a respeito dele, e de que assim lhe fizeram. " João 12:16.
Jesus não poderia haver gozado literalmente da glória antes de seu nascimento, porque somente poderia recebê-la depois de haver terminado com êxito o seu ministério. Portanto, esta glorificação antecipada só existia na mente e propósito de Deus.
Jesus teve pleno conhecimento de que seu Pai, o único Deus verdadeiro, tratava do futuro como se já tivesse acontecido. Por essa razão não causa surpresa alguma quando ele proferiu as seguintes palavras: “Agora, pois, glorifica-me tu, ó Pai, junto de ti mesmo, com aquela glória que eu tinha contigo antes que o mundo existisse.” João 17:5.
IV - CONCLUSÃO
Exige-se, pois, que haja uma compreensão do divino ponto de vista de que Deus “chama as coisas que não são como se já fossem.” (ver Romanos 4:17 e Isaías 46: 9 e 10).
Através de Sua presciência, Deus fala nos tempos presente e passado, a respeito de eventos ainda futuros. Isso enfatiza a certeza do resultado. Deus pode contemplar a glória dos santos, o Seu futuro reino e mesmo Seu Filho antes de sua existência real. (ver Atos 15:18; Mateus 25:34; João 17:5 e 24; Efésios 1:4).
A crença na preexistência literal de Jesus tem gerado efeitos inevitáveis sobre a compreensão e apreciação da obra redentora do Salvador, pois, se Jesus preexistiu, a força do argumento de I Coríntios 15:46 está completamente perdida. O apóstolo Paulo escreveu o seguinte:
“Mas não é primeiro o espiritual, senão o natural; depois o espiritual.” I Coríntios 15:46.
Com base neste texto dizer que o Logos antes de se tornar carne era totalmente divino, não tem a menor sustentação ou sentido, uma vez que o contexto de I Coríntios 15 trata sobre a questão da ressurreição e com relação a este assunto, o apóstolo Paulo escreveu:
“Semeia-se corpo natural, ressuscitará corpo espiritual. Se há corpo natural, há também corpo espiritual.” I Coríntios 15:44.
Aqueles que defendem a preexistência de Jesus invertem essa ordem dada pelo apóstolo Paulo, ou seja, ensinam que o espiritual vem primeiro e depois o natural. Como poderia Jesus ser o primogênito entre muitos irmãos (ver Romanos 8:29), se de fato a sua experiência é contrária a de seus irmãos? É possível o espiritual ganhar natureza carnal? Ao aceitar tal crença, implicitamente está se pregando o espiritismo.