O Dom de Línguas

O Dom de Línguas

I – INTRODUÇÃO

Este tema, abordado numa linguagem simples e objetiva, além de relevante traz informações que contribuem para formação de um entendimento claro e harmonioso segundo o ensinamento das Escrituras Sagradas.

O assunto em pauta faz parte dos dons espirituais. Eles têm a finalidade de edificar a Igreja toda e não beneficiar particularmente um membro aqui ou acolá. O apóstolo Paulo foi muito enfático ao declarar que “cada um recebe o dom de manifestar o Espírito para a utilidade de todos.” I Coríntios 12:7.

Outro propósito dos dons é dinamizar a igreja para a tarefa de evangelizar o mundo. Antes de Jesus ascender ao Céu, Ele pronunciou palavras aos Seus discípulos que modificaram a história do mundo: “Ide por todo o mundo, e pregai o evangelho a toda a criatura.” Marcos 16:15. O Senhor Jesus incumbiu Seus discípulos de pregar “o arrependimento para remissão dos pecados, a todas as nações, começando por Jerusalém.” Lucas 24:47. Os discípulos certamente imaginaram que essa seria uma tarefa impossível. Por isso, logo em seguida, Jesus acrescentou: “E eis que sobre vós envio a promessa de Meu Pai; ficai, porém, na cidade, até que do alto sejais revestidos de poder.” Lucas 24:49.

Dentre os vários dons espirituais relatados nas Escrituras Sagradas, dirigiremos a nossa atenção para o “dom de línguas”, o qual foi efetivamente incluído entre os dons espirituais durante o ministério apostólico, conforme está escrito: “A uns estabeleceu Deus na igreja, primeiramente apóstolos, em segundo lugar profetas, em terceiro lugar mestres, depois operadores de milagres, depois dons de curar, socorros, governos, variedades de línguas.” I Coríntios 12:28.

Qual a diferença entre o verdadeiro dom de línguas e o falso?


II - O DOM DE LÍNGUAS NO PENTECOSTES

O dom de línguas foi concedido à nascente Igreja Cristã, quando cerca de 120 membros estavam reunidos no cenáculo, em Jerusalém, no dia de Pentecostes. Estavam lá os apóstolos e mais algumas pessoas (ver Atos 1:13 e 14). De repente veio do céu um ruído como que de um vento impetuoso, que encheu toda a casa onde eles estavam sentados e lhes apareceram línguas como de fogo e que pousaram sobre cada um deles. E todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas (do grego: glossa) conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem (ver Atos 2:2-4).

A palavra grega “glossa” significa: “língua estrangeira” ou “uma linguagem de um povo de outra nacionalidade”.

Em seguida, o relato bíblico nos fornece dados importantíssimos:

“Habitavam então em Jerusalém judeus, homens piedosos, de todas as nações que há debaixo do céu. Ouvindo-se, pois, aquele ruído, ajuntou-se a multidão; e estava confusa, porque cada um os ouvia falar na sua própria língua (do grego: dialekto). ...Como é, pois, que os ouvimos falar cada um na própria língua (do grego: dialekto) em que nascemos?” Atos 2:5 e 6.

A palavra grega “dialekto” tem o significado de: “variedade regional de um idioma usado por um povo em particular”.

Esses judeus (naturais e prosélitos) vieram de vários países, conforme relatado em Atos 2:9-11. Percebe-se através deste episódio que o “dom de línguas” não era uma fala que ninguém podia entender. Muito ao contrário, cada judeu ouviu a mensagem em seu dialeto. Nesse caso não havia necessidade do “dom da interpretação”.

III - O DOM DE LÍNGUAS NA IGREJA DE CORINTO

O apóstolo Paulo pregou pela primeira vez a mensagem do Messias em Corinto durante sua permanência de um ano e meio lá, em 50-51 d.C., quando ele reuniu uma congregação formada de judeus e gentios nesse centro comercial do sul da Grécia. Dirigindo-se aos membros da Igreja de Corinto, o apóstolo Paulo escreveu que eles foram enriquecidos “em toda a palavra e em todo o entendimento.” I Coríntios 1:5. Além disso, Deus lhes proporcionou uma abundância de poder em suas vidas a tal ponto que não lhes faltaram os dons espirituais.

Porém, a ética da Igreja de Corinto deixou muito a desejar. A exuberância dos dons espirituais não gerou uma Igreja santa e irrepreensível conforme a confiança demonstrada pelo apóstolo Paulo (ver I Coríntios 1:8). Pelo contrário, foi uma Igreja comprometida seriamente com:

a) carnalidade (I Coríntios 3:1; 5:1-3);

b) imaturidade e infantilidade (I Coríntios 3:1 e 2);

c) Ciúmes, contendas e divisões (I Coríntios 1:11-13; 3:3 e 4);

d) Demandas judiciais na justiça comum (I Coríntios 6:1-8);

e) Incontinência e desregramento na Ceia do Senhor (I Coríntios 11:17-22);

f) Pecado de incesto (I Coríntios 5:1).

As declarações do apóstolo Paulo foram bastante contundentes. Sem margem de dúvida, a situação da igreja de Corinto contrastava com a pureza e profunda espiritualidade vivida pela Igreja de Deus no dia de Pentecostes.

Todavia, na Igreja de Corinto ocorreu um estranho fenômeno pentecostal, nada parecido com o que aconteceu em Jerusalém no dia de Pentecostes. As diferenças são enormes e profundas. Algumas pessoas falaram línguas com o objetivo de edificarem a si mesmas (I Coríntios 14:4). Este tipo de manifestação nada tinha a ver com os dons espirituais dados por Deus, que tinham como objetivo a edificação da Igreja, conforme relatado em I Coríntios 12. Os dons espirituais, inclusive o de línguas, são dados por Deus espontaneamente, a cada um como Ele quer e para o que for útil, segundo a Sua soberana vontade e Seus propósitos e não segundo o desejo do homem (ver I Coríntios 12:7-11, 18 e 28-31).

Falar “línguas” significa falar “idiomas estrangeiros”. É a faculdade sobrenatural de se expressar em formas definidas de linguagem os idiomas de povos e nações deste mundo.

O apóstolo Paulo repreendeu a Igreja de Corinto por ter se utilizado de um artifício não recomendado por Deus. Eles falaram em línguas que não eram entendidas por aqueles que falavam e nem por aqueles que as ouviam e por isso nada serviam a não ser para trazer desordem na Igreja (ver I Coríntios 14:9 e 23). Ele recomendou que se alguém “falar em língua, faça-se isso por dois, ou quando muito três, e cada um por sua vez, e haja um que interprete.” I Coríntios 14:27. Era desejo do apóstolo Paulo que a Igreja orasse com entendimento, cantasse com entendimento e falasse com entendimento, pronunciando palavras bem inteligíveis. Em suma, que as pessoas adorassem e louvassem a Deus em sua plena consciência, pois isto envolve o homem todo, suas faculdades emocionais, espirituais, físicas e mentais (ver I Coríntios 14:7, 9 15 e 19). Na carta aos romanos, Paulo escreveu que o nosso culto deve ser racional (Romanos 12:1). Ele preferia dizer cinco palavras com a sua inteligência, para instruir os outros, do que dizer dez mil palavras em outra língua (ver I Coríntios 14:19).

O próprio apóstolo Paulo falava fluentemente cinco idiomas: hebraico, aramaico, grego, latim e possivelmente o copta. Todos esses idiomas eram línguas humanas existentes. Por isso categoricamente ele afirmou dar graças a Deus por falar em línguas mais do que todos os que faziam parte da Igreja de Corinto (ver I Coríntios 14:18).

O entendimento que o apóstolo Paulo tinha sobre o verdadeiro dom de línguas era correto, tanto é que ele introduziu neste contexto uma profecia de Isaías 28, que trata sobre línguas estrangeiras: “Está escrito na lei: Por homens de outras línguas e por lábios de estrangeiros falarei a este povo; e nem assim Me ouvirão, diz o Senhor.” I Coríntios 14:21. Portanto, nem o profeta Isaías e nem o apóstolo Paulo estavam se referindo a um outro tipo de línguas, se não idiomáticas, uma vez que em Isaías 28 vemos o anúncio do castigo de Efraim e Judá (invasão da Assíria) e no verso 11 deste mesmo capítulo o Senhor disse que “por lábios estrangeiros e por outra língua” falaria ao povo de Deus. Esta descrição aponta diretamente para uma linguagem humana existente.

O fenômeno espiritual ocorrido na Igreja de Corinto foi particular, individual, ininteligível e misterioso, sendo mais problemático do que edificante. O que causa estranheza é o fato que aquela manifestação tinha que ser controlada pelo dirigente litúrgico e estar submetida às suas ordens (I Coríntios 14:28). Bem diferente do que ocorreu no Pentecostes, onde o verdadeiro Espírito de Deus atuou livre e soberanamente, sem nenhum limite, restrição e regulamento.

O fenômeno ocorrido na Igreja de Corinto não serve de exemplo para o povo que deseja servir a Deus. Se Deus usou no passado uma jumenta para chamar a atenção de Balaão, com palavras que ele conseguiu entender, porque Ele haveria de usar atualmente os seres humanos para transmitir palavras desconexas, ininteligíveis e misteriosas? É algo a se pensar!

IV - AS PRÁTICAS DO PENTECOSTALISMO MODERNO

Infelizmente muitos segmentos religiosos estão interpretando mal os fatos ocorridos em Jerusalém e na Igreja de Corinto. Os modernos movimentos pentecostais ou carismáticos nada têm a ver com os verdadeiros ensinamentos da Palavra de Deus.

As falsas manifestações do “dom de línguas” serão eliminadas se forem aplicadas corretamente todas as normas bíblicas sobre o assunto, quanto a sua natureza, finalidade e prática.

Os adeptos dos citados movimentos pretendem que o dom de línguas consiste no balbuciar desconexo de uma espécie de palavras e sons incoerentes e sem sentido, proferidas em estado de êxtase espiritual, como se fossem línguas estranhas, misteriosas e completamente desconhecidas pelos homens. A fala deles é extática, ininteligível e sem interpretação. Muitas vezes esses fenômenos são acompanhados de tremores, arrepios, conduzindo a pessoa e os que estão próximas dela a um êxtase de alegria tal que elas sentem a necessidade de, durante as reuniões de culto, gritar expressões de júbilo bem conhecidas por todos.

O verdadeiro culto a Deus, no entanto, é prestado com entendimento, clareza de raciocínio, discernimento, conhecimento e também com ordem e decência.

V – MANIFESTAÇÕES DO DOM DE LÍNGUAS NOS DIAS APOSTÓLICOS

O autêntico dom de línguas foi necessário nos dias apostólicos e serviu como um sinal para os incrédulos judeus (ver I Coríntios 14:22). Os judeus tinham por costume pedir sinais (ver I Coríntios 1:22; Mateus 12:38; Mateus 16:1). A esse respeito Jesus disse: “Se não virdes sinais e prodígios, de modo algum crereis.” João 4:48.

Esse dom ocorreu no Novo Testamento apenas em 3 ocasiões:

a) No dia de Pentecostes (Atos 2:4)

No dia de Pentecostes cumpriu-se a promessa feita por nosso Senhor Jesus aos Seus discípulos, conforme relatado em Lucas 24: 49 – “E eis que sobre vós envio a promessa de Meu Pai; ficai, porém, na cidade, até que do alto sejais revestidos de poder.” Esta mesma promessa foi proferida por Jesus (ver Atos 1:4) e foi dirigida àqueles que ali estavam reunidos momentos antes de Sua ascensão. Disse-lhes Jesus: “Mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e ser-Me-eis testemunhas, tanto em Jerusalém, como em toda a Judéia e Samária, e até os confins da Terra.” Atos 1:8.


b) Em Cesaréia na casa de Cornélio (Atos 10:46)

O dom de línguas nesta ocasião serviu para quebrar o preconceito que os judeus tinham sobre a aceitação de gentios no reino de Deus. Tanto é assim que a Igreja da Judéia desejou ter mais informações sobre o ocorrido (ver Atos 11:1-18). De acordo com as palavras do apóstolo Pedro, o derramamento do Espírito Santo sobre o gentio Cornélio e os de sua casa, era idêntico ao que ocorreu no pentecostes (Atos 11:15). O mesmo dom de línguas, agora na casa de Cornélio, devia servir para remover quaisquer dúvidas por parte dos judeus incrédulos.

c) Após a imposição de mãos de Paulo sobre os 12 discípulos em Éfeso (Atos 19:6)

O dom serviu para ajudar aqueles discípulos a pregarem o Evangelho na cidade de Éfeso, conhecida pela importância de seu porto e pela grande passagem de pessoas de todas as regiões e de outras nações também.

Nos outros casos relatados nas Escrituras o recebimento do Espírito não foi acompanhado do dom de línguas (ver Atos 8:35-39; Atos 9:1-9; Atos 4:31-33; Atos 16:13-15; Atos 16:30-34).

O dom de línguas estava ligado ao ministério apostólico, durante a consolidação e divulgação do Evangelho entre os judeus e estendeu-se até a entrada dos primeiros gentios. Tanto isto é verdade que, quando Paulo escreveu a respeito dos dons espirituais aos romanos (aproximadamente em 57 d.C., durante sua permanência de três meses na Grécia) e aos efésios (aproximadamente em 59 d.C.), ele não incluiu mais o dom de línguas em seus escritos:

“De modo que, tendo diferentes dons segundo a graça que nos foi dada, se é profecia, seja ela segundo a medida da fé; se é ministério, seja em ministrar; se é ensinar, haja dedicação ao ensino; ou que exorta, use esse dom em exortar; o que reparte, faça-o com liberalidade; o que preside, com zelo; o que usa de misericórdia, com alegria.” Romanos 12:6-8.

“E Ele deu uns como apóstolos, e outros como profetas, e outros como evangelistas, e outros como pastores e mestres, tendo em vista o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para edificação do corpo de Cristo.” Efésios 4:11 e 12.

Quando o apóstolo Pedro escreveu sua primeira epístola (aproximadamente em 64 d.C.), ele também não incluiu o dom de línguas ao referir-se aos dons que Deus concedeu ao Seu povo:

“Servindo uns aos outros conforme o dom que cada um recebeu, como bons despenseiros da multiforme graça de Deus. Se alguém falar, fale segundo as palavras de Deus; se alguém administrar, administre segundo o poder que Deus dá; para que em tudo Deus seja glorificado por Jesus Cristo, a quem pertence a glória e poder para todo o sempre. Amém” I Pedro 4:10 e 11.

Nenhum registro há na Bíblia de que tenha havido alguma outra manifestação do verdadeiro dom de línguas além destas 3 ocasiões anteriormente mencionadas.

VI - CONCLUSÃO

De acordo com o apóstolo Paulo, a igreja precisa procurar com zelo os maiores dons (ver I Coríntios 12:31). Para a Igreja de Éfeso ele destacou os mais importantes: o de apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e mestres. O objetivo era para que houvesse “o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para edificação do corpo de Cristo, até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, ao estado de homem perfeito, à medida da estatura da plenitude de Cristo; para que não mais sejamos meninos inconstantes, levados ao redor por todo vento de doutrina, pela fraudulência dos homens, pela astúcia tendente à maquinação do erro, antes, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo.” Efésios 4:12-15.

Ao tratar sobre conhecimento ou a maturidade espiritual do homem, o apóstolo Paulo diz que “quando vier a perfeição, o que é limitado desaparecerá. Quando eu era criança, falava como criança, pensava como criança, raciocinava como criança. Depois que me tornei homem, fiz desaparecer o que era próprio da criança.” I Coríntios 13:10 e 11.

Quando o homem atingir esta perfeição ou esta maturidade espiritual, através o pleno conhecimento do Evangelho, ele estará plenamente desenvolvido e amadurecido. Só então ele estará apto para exercer a suprema excelência do amor, o qual é superior a todos os dons. Diz mais o apóstolo Paulo: “Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como címbalo que retine. E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria. ...Agora pois permanecem a fé, a esperança, o amor, estes três; mas o maior destes é o amor.” I Coríntios 13:1, 2 e 13.

O objetivo do Evangelho é restaurar no homem a imagem perdida de Deus. O Espírito de Deus é concedido para reproduzir em nós as virtudes de Jesus: amor, alegria, paz, longanimidade, mansidão, domínio próprio (ver Gálatas 5:22, 23). Ao ser consumado em nós a Sua obra, poderemos dizer com o apóstolo Paulo: “Já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim.” Gálatas 2:20.