A Instituição do Lava Pés e a Celebração da Ceia do Senhor

Ordenanças Determinadas Por Jesus (Parte II)

I - INTRODUÇÃO

Durante vários séculos o povo de Israel celebrava a festa da Páscoa como um memorial de sua libertação das correntes de escravidão que o manteve cativo por 430 anos na terra do Egito (ver Êxodo 12:40). Naquela oportunidade Deus deu as seguintes instruções à Moisés e à Arão na terra do Egito:

“Este dia será para vós um memorial, e o celebrareis como uma festa para Deus; nas vossas gerações a festejareis; é um decreto perpétuo. ...Quando tiverdes entrado na terra que Deus vos dará, como Ele disse, observareis este rito. Quando vossos filhos vos perguntarem: Que rito é este?, respondereis: É o sacrifício da Páscoa para Deus que passou adiante das casas dos filhos de Israel no Egito, quando feriu os egípcios, mas livrou as nossas casas.” Êxodo 12:14, 25-27.

Além de ter sido um memorial da libertação do povo de Israel do cativeiro egípcio, esse evento, celebrado no décimo quarto dia do mês de Nisan era marcado por um forte simbolismo profético. Para que fossem poupados os primogênitos dos filhos de Israel, um inocente animalzinho (cordeiro ou cabrito – ver Êxodo 12:5) era sacrificado e seu sangue era aspergido nas vergas e nas ombreiras das portas. Aquele cordeiro apontava simbolicamente para o sacrifício expiatório de Jesus Cristo, o Cordeiro de Deus (ver João 1:29), que providenciou-nos salvação, perdão e a garantia de vida eterna.

O cordeiro (ou cabrito) tinha que ser sem defeito e de um ano de idade. Ele era sacrificado no período da tarde do décimo quarto dia do mês de Nisan. Nenhum osso do cordeiro era permitido quebrar. Depois a sua carne era comida, após ser assada no fogo, com pães asmos e com ervas amargosas (ver Êxodo 12:6 e 8).

Os séculos se passaram e finalmente chegara o tempo do esperado Messias celebrar a última Páscoa com os Seus doze apóstolos. Com o desejo de cumprir toda a justiça e honrar a lei cerimonial que até então ainda vigorava, Jesus enviou dois de Seus apóstolos (Pedro e João) para que fizessem os preparativos para a Páscoa num cenáculo em Jerusalém que Ele mesmo indicara (ver Mateus 26:17-19 e Lucas 22:7-13). Como Jesus sabia ser Ele o Cordeiro de Deus (João 1:29), e que Ele seria sacrificado no dia da preparação da páscoa judaica, esse evento foi antecipado para após o por do sol do dia 13 de Nisan. Portanto, a ceia que Jesus celebrou com os seus apóstolos foi realizada nas primeiras horas do dia 14 de Nisan. Vale lembrar que os judeus contavam os dias não a partir da meia noite como é realizado hoje, mas de por do sol a por do sol (ver Gênesis 1:5-31). Pela cronologia dos acontecimentos, na madrugada do dia 14 de Nisan Jesus foi preso e na terceira hora do dia, que corresponde às 9 horas pelo horário de hoje, Ele foi pendurado no madeiro (ver Marcos 15:25), morrendo à tarde, na hora nona, que corresponde às 15 horas pelo horário de hoje (ver Marcos 15:34), do dia 14 de Nisan, no mesmo momento em que eram sacrificados os cordeiros para a páscoa.

Assim, na noite que precedeu a sua morte, Jesus reuniu-se com os Seus apóstolos e enquanto se achavam reunidos ao redor da mesa, Jesus disse-lhes em tom de tocante tristeza: “Desejei muito comer convosco esta páscoa, antes que padeça; porque vos digo que não a comerei mais até que ela se cumpra no reino de Deus. E tomando o cálice, e havendo dado graças, disse: Tomai-o, e reparti-o entre vós; porque vos digo que já não beberei do fruto da vide, até que venha o reino de Deus.” Lucas 22:15-18.


II – A INSTITUIÇÃO DO LAVA-PÉS

Enquanto Jesus realizava a última refeição pascal, diz o relato bíblico que Ele ergueu-Se da mesa, cingiu-Se com uma toalha, despejou água na bacia, ajoelhou-Se e começou a lavar os pés dos discípulos (ver João 13:2, 4 e 5).

A ordenança do lava-pés foi instituída por Cristo como um memorial, cuja intenção era conduzir os Seus seguidores a um estado de ternura e amor, bem como incutir em suas mentes a prática da humildade. Esta ordenança tem sido uma lição exemplar, pois Jesus troca seu papel de Mestre pelo do servo da casa.

A introdução da ordenança do lava-pés era necessária, pois havia entre os discípulos contendas e disputas por posições. Dias antes a mãe dos apóstolos Tiago e João fez o seguinte pedido a Jesus: “Prometa que, quando você se tornar rei, estes meus dois filhos se assentarão um à sua direita e o outro à sua esquerda. ...E ouvindo isso os dez, indignaram-se contra os dois irmãos.” Mateus 20:21 e 24. Diz a Palavra de Deus que Jesus chamou todos os doze apóstolos para junto de Si e lhes disse: “Sabeis que os governadores dos gentios os dominam, e os seus grandes exercem autoridades sobre eles. Não será assim entre vós; antes, qualquer que entre vós quiser tornar-se grande, será esse o que vos sirva; e qualquer que entre vós quiser ser o primeiro, será vosso servo; assim como o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir, e para dar a Sua vida em resgate de muitos.” Mateus 20:25-28.

A disputa para ver quem era o maior tem-se estendido até a realização da ceia. Por isso, dentro deste contexto, a atitude de Jesus passa a ser significativa ao lavar os pés dos apóstolos. Além de ser uma lição de humildade e serviço, também foi uma forma de mostrar Seu amor.

Quando Pedro recusou-se inicialmente a ter os pés lavados por Jesus, este respondeu: “Se Eu não te lavar os pés, não tens parte comigo.” João 13:8. Há de se ressaltar que a resposta dada por Jesus revela a importância do ato do lava-pés. Este evento, embora não tenha sido mencionado nos outros evangelhos, revela-nos um dos importantes objetivos de Sua missão: “Não é o servo maior do que o seu senhor, nem o enviado maior do que aquele que o enviou.” João 13:16. Esta mensagem tinha como objetivo excluir todo e qualquer sentimento de supremacia ou parcialidade. Isto quer dizer que as posições hierárquicas de liderança adotadas pelas instituições religiosas, jamais tiveram aprovação de Jesus.

Logo em seguida, depois de lavar os pés dos apóstolos, Jesus vestiu o manto novamente, tornou a reclinar-Se à mesa e perguntou: “Entendeis o que vos tenho feito? Vós Me chamais Mestre e Senhor, e dizeis bem, porque Eu o sou. Ora se Eu, Senhor e Mestre, vos lavei os pés, vós deveis também lavar os pés uns aos outros. Porque Eu vos dei o exemplo, para que, como Eu vos fiz, façais vós também. ...Se sabeis estas coisas, bem aventurados sois se as fizerdes.” João 13:12-17. Ao Jesus instruir que “deveis também lavar os pés uns aos outros” (João 13:14), Ele não apenas nos deixou o exemplo, mas transformou este ato numa ordenança a ser praticada pelo professo povo de Deus.


III – A CELEBRAÇÃO DA CEIA DO SENHOR

Com base no que diz o relato bíblico, tendo Jesus se assentado novamente à mesa logo após introduzir o cerimonial do lava-pés (ver João 13:12), Ele aproveitou a oportunidade para em seguida dar um novo significado espiritual à ceia da páscoa, transformando-a num memorial do Seu grande sacrifício, cujo evento é designado pelos cristãos como “Ceia do Senhor” (I Coríntios 11:20) e também como “a mesa do Senhor” (I Coríntios 10:21).

A ceia do Senhor é um memorial cheio de detalhes e de intenso significado. As suas raízes estendem-se para o passado, pois, como a ceia pascal comemorava a libertação de Israel da escravidão egípcia, assim a Ceia do Senhor comemora a libertação da escravidão do pecado. Ela deve representar uma ocasião festiva que tem como objetivo comemorar a redentiva vitória de Cristo.

O pão ázimo assado sem fermento e o fruto não fermentado da vide fizeram parte da ceia celebrada por Cristo com os Seus apóstolos. O fermento era considerado como símbolo do pecado (ver I Coríntios 5:7 e 8), sendo, portanto, um símbolo inapropriado do Cordeiro “sem defeito ou sem mácula” (ver Êxodo 12:5 e I Pedro 1:19). Igualmente somente o puro suco de uva, o fruto não fermentado da vide, poderia também simbolizar apropriadamente a perfeição do purificador sangue de Jesus Cristo. É interessante destacar que na ceia pascal realizada no Egito não se usou o fruto da vide, nem havia ordem alguma da parte de Deus para que fosse usado. Não há como determinar quando é que tal prática veio a ser introduzida nas ceias pascais, pois não há nas Escrituras Sagradas menção alguma sobre o seu uso nestas ceias. Contudo, quando Jesus celebrou pela última vez a ceia pascal com Seus apóstolos, o fruto da vide estava na mesa (ver Lucas 22:17 e 18) e foi utilizado logo em seguida por Ele como emblema do Seu sangue (ver Mateus 26:28; Marcos 14:24; Lucas 22:20).

Enquanto eles estavam participando da ceia, “Jesus tomou o pão e o abençoou, o partiu, e o deu aos discípulos, e disse: Tomai, comei, isto é o Meu corpo. E, tomando o cálice, e dando graças, deu-lho, dizendo: Bebei dele todos. Porque isto é o Meu sangue, o sangue que confirma a Nova Aliança, o qual é derramado por muitos para remissão dos pecados.” Mateus 26:26-28. Ao compartilhar dessa ordenança, Jesus tem mostrado que há uma relação de dependência com Ele no tocante à vida espiritual, da mesma forma como a pessoa depende do alimento e da bebida no tocante à vida física.

Deve haver profunda reverência por parte de todo aquele que deseja participar da ceia. A esse respeito Paulo escreveu o seguinte: “De modo que qualquer que comer do pão, ou beber do cálice do Senhor indignamente, será culpado do corpo e do sangue do Senhor. Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e assim coma do pão e beba do cálice.” I Coríntios 11:27 e 28.

Não se deve proibir ninguém de participar da ceia, mas as Escrituras Sagradas ensinam que cada pessoa julgue a si mesma: “Examine-se, pois, o homem a si mesmo, ...” Portanto, a pessoa não deve ser examinada pelos outros. Nem Judas Iscariotes foi proibido por Jesus de participar da ceia (ver Lucas 22:3, 21). Entende-se, pois, se a pessoa desejar participar de forma indigna, esta será julgada por Deus.

Por ser um memorial do grande sacrifício expiatório de Cristo, a ceia deve ser celebrada anualmente nas primeiras horas do dia 14 de Nisan, logo após o por do sol do dia 13 de Nisan.


IV – O VINHO UTILIZADO NA CEIA

Ao celebrar a ceia do Senhor, o vinho passou a constituir no emblema apropriado do sangue de Cristo. Jesus disse: “Isto é Meu sangue.” Mateus 26:28 e Marcos 14:24.

O emblema é tão apropriado do sangue que, referindo-se ao mosto da uva, tendo em vista a sua cor (rubra), as Escrituras Sagradas empregam-lhe o nome de “sangue de uva”:

“Atando ele o seu jumentinho à vide, e o filho da sua jumenta à videira seleta, lava as suas roupas em vinho e a sua vestidura em sangue de uvas.” Gênesis 49:11.
“...e por vinho bebeste o sangue das uvas.” Deuteronômio 32:14 (última parte).

Na Ceia Pascal, bem como nos sete dias da Festa dos Pães Asmos, as orientações de Deus eram as seguintes: “Sete dias se comerão pães asmos, e o levedado não se verá contigo, nem ainda fermento será visto em todos os teus termos.” Êxodo 13:7.

Uma vez que o evento da Páscoa prefigurava o perfeito sacrifício de sangue, isto é, o sangue incontaminado de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo (o Cordeiro de Deus), conclui-se que não podia haver deturpação naquilo que simbolizava o sangue de Jesus Cristo. Além disso, aquele que usasse fermento na semana da Páscoa era excluído da convivência entre os filhos de Israel (Êxodo 12:15 e 19). O apóstolo Paulo escreveu:

“Expurgai o fermento velho, para que sejais massa nova, assim como sois sem fermento. Porque Cristo, nossa páscoa, já foi sacrificado. Pelo que celebremos a festa, não com o fermento velho, nem com o fermento da malícia e da corrupção, mas com os ázimos da sinceridade e da verdade.” I Coríntios 5:7-8.

Em todos os evangelhos sinóticos, Jesus chama o conteúdo da taça de “o fruto da videira”. – Mateus 26:29; Marcos 14:25 e Lucas 22:18.

O substantivo “fruto” (grego: gennema) denota que é o produto em estado natural, ou seja, da mesma maneira em que ele foi apanhado. Vinho fermentado não é o fruto natural da videira, mas o fruto da fermentação não natural e decadente.

Se o conteúdo do cálice era de vinho alcoólico, Cristo dificilmente poderia ter dito: “Bebei dele todos”, especialmente em vista do fato de que na Páscoa um típico cálice de vinho não continha apenas um gole de vinho, mas aproximadamente meio litro.

Jovens que desejassem participar da ceia do Senhor, certamente não deveriam tocar em vinho alcoólico. Poderia Cristo, que nos ensinou a orar: “Livra-nos do mal” (Mateus 6:13), ter feito de Seu memorial à mesa um lugar de irresistível tentação para alguém e de perigo para todos?

Não podemos conceber a Cristo curvando-Se para abençoar com oração de graças um cálice que contivesse vinho alcoólico, sobre que a Bíblia nos adverte para não olharmos (ver Provérbios 23:31). Um cálice que intoxica é um cálice de maldição e não um “cálice de bênção” (ver I Coríntios 10:16). É o “cálice dos demônios” e não o “cálice do Senhor” (ver I Coríntios 10:21). É um cálice que não pode simbolizar adequadamente a incorruptibilidade e o “precioso sangue de Cristo” (ver I Pedro 1:18-19).

Isto dá razão para acreditarmos que o cálice que Ele abençoou e deu a Seus discípulos não continha qualquer coisa fermentada e proibida pelas Escrituras Sagradas.

V – CONCLUSÃO

A grandiosa obra de Cristo em nosso favor deve ser conservada viva em nossa memória. A esse respeito o apóstolo Paulo escreveu: “Porque eu recebí do Senhor o que também vos entreguei: que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou pão; e, havendo dado graças, o partiu e disse: Isto é o Meu corpo que é por vós; fazei isto em memória de Mim. Semelhantemente também, depois de cear, tomou o cálice, dizendo: Este cálice é o novo pacto no Meu sangue; fazei isto todas as vezes que o beberdes, em memória de Mim.” I Coríntios 11:23-25.

A celebração da ceia vincula a morte de Cristo no Calvário à Sua próxima vinda: “Porque todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes do cálice estareis anunciando a morte do Senhor, até que Ele venha.” I Coríntios 11:26.

Para o fiel povo de Deus as ordenanças que indicam a humilhação e sofrimento de nosso Senhor jamais deverão ser esquecidas. O amor de Jesus deve sempre ser mantido vivo na memória.

Algumas lições podem ser tiradas no que diz respeito à celebração da ceia do Senhor:

a) Olhando pra trás, vemos Cristo morrendo por nós;
b) Olhando para cima, vemos Cristo intercedendo por nós;
c) Olhando para dentro, vemos Cristo vivendo em nós;
d) Olhando para a frente, vemos o cumprimento da promessa de Sua próxima vinda.