I – INTRODUÇÃO

Muitos cristãos crêem em um inferno de fogo, para onde, segundo eles, vão as almas daqueles que foram maus, e que lá eternamente serão atormentados pelo diabo. Mas será que esse pensamento se harmoniza com o ensinamento bíblico? Surge, no entanto, um grande problema para se harmonizar esse ensino com os aspectos fundamentais da fé cristã.

Foi concludentemente provado em estudos anteriores que o homem não possui alma imortal. A imortalidade é alcançada somente por Cristo. A Bíblia diz que “o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna, por Cristo Jesus nosso Senhor.” Romanos 6:23. A morte é a punição final dos ímpios. O dom da vida eterna Deus dará aos Seus, mas não dará aos ímpios. Em sua primeira epístola o apóstolo João esclarece melhor o assunto: “Todo o que odeia a seu irmão é homicida; e vós sabeis que nenhum homicida tem a vida eterna permanecendo nele.” I João 3:15. E mais: “Quem tem o Filho tem a vida; quem não tem o Filho de Deus não tem a vida.” I João 5:12. O tormento eterno deixa de ser um fato se consideramos estas declarações como verdadeiras. Não é possível crer que o sofrimento, o pranto e a dor se perpetuem eternamente, pois acreditar nisso seria anular a declaração divina de que tempo virá em que “não haverá mais morte, nem haverá mais pranto, nem lamento, nem dor; porque já as primeiras coisas são passadas.” Apocalipse 21:4. Assim como não haverá mais morte para os remidos, assim também não haverá mais vida para os perdidos (ver Apocalipse 21:8). A “segunda morte” é a morte final e irreversível. A Bíblia em parte alguma diz que os ímpios sofrerão eternamente. Ao contrário, ela usa palavras que dão claramente a idéia de que eles terão um completo e rápido aniquilamento. Os ímpios são descritos como “palha”, “cera”, “gordura”, “fumaça”, etc. (ver Mateus 3:12; Malaquias 4:1; Salmos 68:2: Salmos 37:20).

Mas a Bíblia usa expressões como “fogo inextinguível”, “fogo eterno”, etc., dando a entender que os ímpios queimarão nesse fogo eternamente. O que isto realmente significa? Afinal, como é possível que o Deus, que tanto amou o mundo que enviou Seu Filho unigênito para salvar pecadores, pode também ser um Deus que tortura as pessoas para sempre, indefinidamente? Como pode Deus ser um Deus de amor e justiça e ao mesmo tempo atormentar os pecadores para sempre no “fogo do inferno”?

II – SIGNIFICADO DA PALAVRA “INFERNO”

O modo mais simples de entender o significado desta palavra consiste em examinar o seu uso na Palavra de Deus. Segundo a Bíblia, a palavra “inferno” significa “sepultura”, “o mundo dos mortos”, “habitação dos mortos”, etc. No hebraico, sepultura é sheol e no grego hades.

No Antigo Testamento a idéia de fogo ou tormento não se encontra na palavra “sheol”. Podemos citar como exemplo o texto bíblico de Jonas 2:1-2: “E orou Jonas ao Senhor, seu Deus, das entranhas do peixe, ... do ventre do inferno (sheol) gritei.” Seria difícil imaginar alguma coisa análoga ao fogo, em conexão com o peixe marinho.

Tanto bons como maus vão para lá. Jó, homem sincero e reto, temente a Deus (Jó 1:8) disse: “Se eu olhar a sepultura (sheol) como a minha casa...” Jó 17:13. O salmista escreveu: “Os ímpios serão lançados no inferno (sheol)...” Salmos 9:17.

No Novo Testamento a palavra “inferno” é traduzida das três seguintes palavras gregas: tártaros, hades e geena.

1. TÁRTAROS (grego), significa “um abismo escuro”. Esta palavra é usada em conexão com a expulsão de anjos maus do Céu para a “escuridão”. “Porque se Deus não poupou a anjos quando pecaram, mas lançou-os no inferno (tártaros), e os entregou aos abismos da escuridão, reservando-os para o juízo.” II Pedro 2:4. Não existe na palavra a idéia de fogo ou tormento. A passagem bíblica declara especificamente que os anjos ficariam “reservados para o juízo”, isto é, para um acontecimento futuro.

2. HADES (grego), significa “mundo inferior, sepultura, morte. Hades descreve o mesmo lugar que sheol. A palavra sheol ocorre nas Escrituras Hebraicas 65 vezes e a palavra hades, nas Escrituras Gregas, 11 vezes. São estas as 11 citações nas Escrituras Gregas: Mateus 11:23; 16:18; Lucas 10:15; 16:23; Atos 2:27; 2:31; I Coríntios 15:55; Apocalipse 1:18; 6:8; 20:13 e 20:14. A Septuaginta, antiga versão grega do Antigo Testamento, quase sem exceção usa a palavra hades como tradução de sheol. Veja e compare as passagens mencionadas no Antigo Testamento e Novo Testamento: Atos 2:27 fala hades: “Pois não deixarás a Minha alma no hades...”, enquanto que Salmos 16:10 diz inferno (sheol): “Pois não deixarás a Minha alma no inferno...”. Quando a palavra “inferno” traduzida de hades aparece no Novo Testamento, o leitor não deve tomá-la como significando exclusivamente a morada dos ímpios, um lugar de fogo e enxofre, porque:

a) A principal definição de hades, como já foi mencionada, não exige tal significado da palavra;

b) O Antigo Testamento diz que tanto justos como ímpios vão para o sheol. Teriam os antigos patriarcas descido para um lugar de chamas?

c) O Novo Testamento fala de Cristo como estando no hades (Atos 2:27). Este texto causa tremendo embaraço para os que defendem a errônea idéia de inferno como um lugar de tormento, acompanhado de fogo e enxofre. A palavra grega hades significa literalmente um lugar desprovido de luz, uma morada escura. O texto em questão teria então o seguinte significado: “Tu não Me deixarás na sepultura”. A mesma conclusão é tirada do texto de I Coríntios 15:55, onde a palavra “inferno” é uma tradução de hades, e descreve aquele elemento sobre o qual finalmente os justos serão vitoriosos na ressurreição. O referido texto é uma citação do Antigo Testamento (Oséias 13:14), onde é empregada a palavra equivalente, sheol. Um outro texto onde é mencionada a palavra “inferno” é Apocalipse 20:13. O termo original empregado foi hades (sepultura). É importante notar que “inferno” não é lago de fogo, porque neste texto os mortos serão livrados do inferno e posteriormente lançados no lago de fogo, juntamente com a morte e o inferno (Apocalipse 20:14 e 15).

3. GEENA (grego), correspondente à palavra hebraica Hinnon, nome de um vale próximo à Jerusalém, lugar usado para depósito de cadáveres de animais e de malfeitores, onde eram consumidos pelo fogo que se mantinha aceso constantemente. Assim, geena é a única palavra de todas as que na Bíblia são traduzidas por “inferno”, a qual tem em si própria a idéia de “lago de fogo e enxofre”. As citações que apresentam a palavra geena são as seguintes: Mateus 5:22,29,30; 10:28; 18:9; 23:15,33; Marcos 9:43,45,47; Lucas 12:5; Tiago 3:6.

Há de se salientar que em nenhum dos textos onde aparece a palavra geena diz em que ocasião os ímpios serão “lançados no inferno”. Os textos descrevem o juízo pelo fogo simplesmente como um acontecimento futuro e eles contêm a evidência de que esse acontecimento futuro não se seguirá imediatamente após a morte. Em várias citações onde aparece a palavra geena é dito que os ímpios serão “lançados” no fogo, presumivelmente com a intenção de descrever o ato de arremessar um objeto nas chamas. Mas, quando serão os ímpios corporalmente ou literalmente lançados nos fogos do juízo? A Bíblia diz que esse evento ocorrerá no dia do juízo final, após o milênio, quando os ímpios mortos forem ressuscitados e tiverem sido julgados segundo as suas obras (Apocalipse 20:11-15).


III – FOGO QUE NUNCA SE APAGA

Em Marcos 9:43-48 Cristo evidentemente Se refere ao mesmo fogo do juízo que é descrito em Isaías 66:24, onde lemos: “E sairão (os justos) e verão os corpos mortos dos homens que prevaricaram contra Mim; porque o seu bicho nunca morrerá, nem o seu fogo se apagará.” Somos aqui informados de que o “bicho” e o “fogo” estão agindo, não sobre espíritos desincorporados, porém sobre corpos mortos.

Cristo está Se referindo ao vale de Hinnon para ensinar aos Seus ouvintes o destino que aguarda os ímpios. Eles viam os corpos mortos no vale de Hinnon serem devorados pelas chamas, ou se as chamas não alcançavam alguns deles, viam ser atacados pelos bichos, os agentes da destruição e da desintegração. O fato de os fogos de Geena serem conservados sempre acesos, e nunca serem apagados, era a prova mais segura de que qualquer coisa que ali fosse lançada seria inteiramente consumida. Declarar que o conservar-se um fogo sempre aceso implica em conservar-se sempre vivo o que quer que nele seja lançado, é contrariar tanto a evidência do senso comum como o testemunho das Escrituras.

O fogo no vale de Hinnon permanecia aceso porque havia material para ser consumido. Os vermes não morreriam e o fogo não se apagaria enquanto houvesse alguma coisa para ser consumida ou queimada. O fogo comum pode ser apagado com extintores, água, sopro, etc., mas o fogo divino consome tudo até o fim. Deus declarou ao povo de Israel, por meio do profeta Jeremias, o seguinte: “Mas se não Me derdes ouvidos, ...então acenderei fogo nas portas (de Jerusalém) o qual consumirá os palácios de Jerusalém, e não se apagará.” Jeremias 17:27. O cumprimento desta profecia está relatado em II Crônicas 36:19-21, quando os babilônios, com suas tochas, incendiaram a cidade. Está aquele fogo ainda ardendo hoje? Pensar assim seria absurdo. Por que então tirar do relato de Cristo a conclusão de que o fogo do juízo nunca se apagará? A Bíblia declara que os ímpios serão reduzidos a “cinzas”. Malaquias 4:3. A respeito de Satanás Deus declara: “Eu, pois, fiz sair do meio de ti um fogo, que te consumiu, e te reduzi a cinzas sobre a terra.” Ezequiel 28:18.

IV – TORMENTO ETERNO

A Bíblia fala em “tormento eterno” (Mateus 25:46) para os ímpios, e em “fogo eterno” (Mateus 25:41) no qual eles se consumirão. Diz também que eles serão “atormentados de dia e de noite para todo o sempre” (Apocalipse 20:10). Como explicar isto?

As palavras “eterno” e “todo o sempre” não significam necessariamente que nunca terão fim. Quando estas palavras são encontradas no Novo Testamento, vêm do grego “aion”, ou do adjetivo “aionios”, que é derivado daquele substantivo. O dicionário grego define a palavra “aion” como sendo: “um espaço de tempo, especialmente toda a vida; um longo período de tempo; eternidade; um espaço de tempo claramente definido e demarcado; uma era; a vida presente; este mundo.” Ao examinarmos o Antigo Testamento, os termos “eterno”, “eternamente” e “para sempre” significam algumas vezes um período de tempo bastante limitado e são traduzidos da palavra hebraica “olam”, que é o equivalente da palavra grega “aion”. A seguir citaremos textos onde estes termos aparecem:

a) A respeito de Cristo a Bíblia diz: “Tu és Sacerdote eternamente (aion).” Hebreus 5:6.

O serviço de Cristo na qualidade de Sacerdote terá seu fim quando o pecado for extinto.

b) Judas 7 – “Assim como Sodoma e Gomorra, e as cidades circunvizinhas, ..., foram postas por exemplo, sofrendo a pena do fogo eterno (aionios).”

Sodoma e Gomorra sofreram a pena do “fogo eterno (aionios)”. Essas cidades, que há tanto tempo foram incendiadas em virtude do julgamento divino, estarão ainda ardendo? A própria Bíblia com precisão relata que Deus “reduziu Sodoma e Gomorra a cinzas”. II Pedro 2:6. O destino dessas duas cidades, como está escrito, é uma advertência para os ímpios sobre o destino que lhes está preparado. Portanto, se o “fogo eterno” daquele juízo ocorrido há tanto tempo, reduziu a cinzas aqueles sobre os quais recaiu, e os matou sob a sua ação, podemos razoavelmente concluir que o fogo “eterno (aionios)” do último dia igualmente o fará.

c) I Crônicas 23:13 – “Arão foi separado para consagrar as coisas santíssimas, ele e seus filhos, eternamente (olam) para queimarem incenso diante do Senhor, e o servirem, e pronunciarem bênçãos em nome de Deus para sempre (olam).”

De acordo com o texto acima, Arão e seus filhos deviam oferecer incenso “eternamente” (olam). Em outro texto Deus manda Moisés ungir a Arão para ele exercer um sacerdócio “perpétuo” (olam) - Êxodo 40:15. Porém, a própria Bíblia confirma que esse sacerdócio com suas ofertas de incenso terminou quando Cristo morreu no madeiro (Hebreus 7:11-14).

d) Um servo que desejasse permanecer com seu senhor, deveria servi-lo “para sempre”: Êxodo 21:1-6 – “Se alguém comprar um escravo hebreu, ele trabalhará como escravo durante seis anos. No começo do sétimo ano, será libertado de graça. ... Pode ser que o escravo diga: ‘Eu gosto do meu dono. Além disso, amo a minha mulher e os meus filhos. Não quero sair livre’. Neste caso, o dono levará o escravo ao tribunal, para legalizar a declaração dele. Depois, na porta ou na entrada da casa, o dono furará a orelha do escravo com um furador de sapateiro. Então o homem ficará sendo escravo dele para sempre (olam)”.

Como poderia o servo servir a seu senhor por tempos intermináveis?

e) Jonas, ao descrever as suas aventuras pelas quais havia passado, relata-as nestas palavras: “Os ferrolhos da Terra correram-se sobre mim para sempre (olam).” Jonas 2:6.

Esse “para sempre”, entretanto, durou apenas “três dias e três noites” (Jonas 1:17).

f) Em conseqüência de haver cometido fraude, Geazi ouviu de Eliseu a seguinte sentença: “Portanto a lepra de Naamã se pegará a ti e à tua semente para sempre (olam)” II Reis 5:27..

Deveríamos então concluir que a família de Geazi nunca encontraria o seu fim e que assim a lepra se perpetuaria por toda a eternidade? Naturalmente que esse “para sempre” em relação a Geazi se estenderia até que a sua geração se extinguisse.


V - CONCLUSÃO

O castigo final do pecado é a morte: “A alma que pecar morrerá” (Ezequiel 18:4, 20); “O salário do pecado é a morte” (Romanos 6:23). A punição do pecado compreende não somente a primeira morte, a qual todos experimentam como resultado do pecado de Adão, mas também o que a Bíblia chama de “segunda morte” (Apocalipse 20:14; 21:8), que é a morte final e irreversível a ser sofrida pelos pecadores impenitentes. Isso significa que o salário final do pecado não é o tormento eterno, mas morte permanente.

Recentemente o vale de Hinnon não é mais um lugar de horror e morte, mas um vale fértil coberto de casas e bem cuidados jardins. Os fogos há muito se apagaram ali. Hoje é um ambiente de beleza e vida. Nenhum sinal de queima foi deixado. Sem nada ter a queimar, o fogo se extinguiu. Assim será quando os ímpios encontrarem seu fim nos fogos de Deus no último grande juízo. O castigo final dos ímpios (Mateus 25:46) não será interminável, mas produzirá efeitos de duração eterna, pois os ímpios que forem queimados no lago de fogo nunca mais existirão (Salmos 37:10).

Em Ezequiel 18:32 Deus diz: “Porque não tenho prazer na morte de ninguém, diz o Senhor Deus; convertei-vos, pois e vivei.” Em outros estudos provamos, com base nas Escrituras Sagradas, a bem-aventurança futura dos santos. Eles estarão com Cristo e com Ele gozarão a vida através dos séculos eternos. Esta será a vida abundante oferecida por Cristo: “...Eu vim para que tenham vida, e a tenham com abundância.” João 10:10. Na Sua segunda vinda os que tiverem feito o bem farão parte da ressurreição da vida (João 5:29). A ressurreição da vida é denominada pela Bíblia como “primeira ressurreição” e os que dela participarem não sofrerão a segunda morte (Apocalipse 20:6). Os que praticaram o mal, no entanto, participarão da segunda ressurreição, após o milênio, que é a ressurreição do juízo (ver João 5:29 e Apocalipse 20:11-15). Todo aquele que não foi achado inscrito no livro da vida sofrerá a punição que é a segunda morte. Fazer parte de um grupo ou de outro é uma questão que cada pessoa deverá decidir.

Virá o tempo predito pelo profeta: “Ouvi uma grande voz do Céu, que dizia: Eis aqui o tabernáculo de Deus com os homens, pois com eles habitará, e eles serão o Seu povo, e o mesmo Deus estará com eles, e será o seu Deus. E Deus limpará de seu olhos toda a lágrima; e não haverá mais morte, nem pranto, nem clamor, nem dor; porque já as primeiras coisas são passadas.” Apocalipse 21:3 e 4. Por esse tempo ansiamos nós.